09 outubro 2006

Meu Pai Flávio

Meu pai fala "Se ta tudo bem, pode dizer a verdade. Se ta mais ou menos, minta. Se ta beeeem ruim, calunie".

Tava na locadora de dvd com ele e escutei capinha de dvd caindo, olhei e era perto do pai, nao vi nada. Passou tempinho, escutei de novo. Perto do pai de novo. Deu tempo de olhar e ver ele empurrando com o pé a capa que caiu pra baixo da estante.

Quando tinha 14 anos (14 visse?) disse pra vó (que era sozinha, trabalhava de enfermeira no interior de Santa Catarina e morava de favor no hospital) "vou embora, vou pra Curitiba, vou ser médico". E veio. Doido. A vó mandava diamante negro pra ele com o que dava pra economizar do salário que recebia.

Pai veio, com seu olho azul pronto pra conquistar Curitiba. Morou em tudo que é coisa acho, nem sei.. Mas tentou Medicina na UFPR. Passou. A vó Olga que morava num quartinho no hospital do médico da cidade do interior tinha um filho de um pai distante que ia ser médico.

Na CEU (casa do estudante) aqui em Curitiba, o pai conta que bebia um monte, voltava de madrugada e subia no muro na frente da casa do estudante e gritava bem alto. E quando tinha dor de dente, quando via que não ia conseguir dormir de dor, resolvia que ninguém ia dormir e saía aos berros acordando todo mundo. Numa festa que teve lá, roubou um pote (enorme) de ponche (quanto tempo não vejo isto) e escondeu num quarto. Descobriram, começou a revista na casa. Se descobrissem mais coisa dele mandavam embora. Pai pegou o pote enorme de ponche, lá de cima de uma janela.. largou. Páááá!!!! No chao. Menos mal, se desse em alguém, matava. Nunca descobriram quem roubou e quem jogou.

Em Balneário, 31 de dezembro de qualquer ano, festa e alegria. Pai teve idéia, pegou revólver e pra comemorar, pra fazer barulho, deu um tiro pro céu do alto do prédio, centro de Balneário. Beleza!! Polícia cercou o prédio, esconde pai, esconde arma. Ninguém foi.. aqui? Tiro?? Nah..

Quando eu era bem bem pequena, ele pegava eu e mana e colocava no carro, a gente usava aquelas camisolinhas de (esqueci nome) mas umas de tecido macio e com bichinhos desenhados que iam quase até o pé. Tipo anjo. E levava as pequenas dele pra passear. No cemitério. Abria a porta, descia e quando a gente descia ele voltava pro carro e fingia que ia embora. E dá-lhe nós correndo atrás do carro de noite chorando pro pai voltar. Ou levava a gente no cemitério ou numa igreja que tinha um diabo desenhado e nossa, que medo eu tinha daquele diabo.

Você culpa seus pais por tudo
E isso é absurdo
São crianças como você
O que você vai ser
Quando você crescer?


Se fosse contar tudo que meu pai fez ou me contou, daria muito mais do que um livro. De erros e acertos. Mais erros? Não sei. Não estava lá quando ele era pequenininho e ficou chorando atrás do fogão do hospital enquanto outros meninos riam dele porque nao tinha pai.. Nem quando por falta de grana, a vó teve que colocar ele num colégio de meninas (pai tentou colocar fogo neste colégio e tiraram ele de lá).

Eu tava com o pai no dia que parou um carro na frente do hospital, um homem com a perna cortada, sangue pra tudo que é lado, e vi sem saber o que acontecia e sem entender direito, vi o pai colocar a mão de um jeito estranho no corte gigante da perna do homem, puxou qualquer coisa ali e prendeu, não sei bem como, mas parou de sangrar. E o homem pelo que sei, não morreu. Pai deu aquele "nó" na veia (acho que foi isto) e falou pro cara que levava o homem cortado "toca pra frente, vai pra hospital grande que ele vai guentar".

Pai, você foi meu herói, meu bandido
Hoje é mais, muito mais que um amigo


Tinha um homem que bebia muito e ia consultar com o pai, tinha ascite (barriga d'água) de tanta pinga na vida. Chegava quase sem poder respirar, era um homem numa barriga. Implorando ajuda. Pai dizia "Teca vem cá, leva ele na sala tal, pede material pra isto, já vou lá". E com um caninho que colocava na barriga do Sr. Barriga D'Agua, tirava um balde cheio de líquido, a barriga diminuia, o homem respirava, agradecia. Porque não tinha grana pra pagar e ninguém queria fazer isto nele. Pai fazia. Não sei se é o procedimento certo (chama paracentese acho), mas o homem durou mais tempo do que posso lembrar. Indo e vindo. Cheio e vazio. Dizendo "brigado doutor".

Entao pai, o que me fez pensar tanto em voce agora. Quem sabe a certeza da saudade que vou sentir quando a gente se separar por um tempo. Porque tenho medo do dia que não vou te ver saindo no teu carro indo embora de Curitiba pra trabalhar como médico que sempre quis ser. Medo da falta que vou sentir da tua voz me acordando no domingo "Teca Teca Teca".

Se voce errou, também errei. E ninguém tem a régua que mede isto e determina quem ganhou de quem. Pai, te amo =)

Ainda somos os mesmos
E vivemos
Como nossos pais!!